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11 mar 2021 | Artigos
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Palavras-Chave: Direito Civil. Leilão extrajudicial. CDC. Código de Defesa do Consumidor. Leilão extrajudicial. Leilão judicial. Arrematação. Condicional. Aplicação. Garantia. Hasta pública. Bens Apreendidos. Financiamento. Sinistro. Fornecedor. Leiloeiro. Consumidor. Compra e venda.

Com a popularidade de leilões extrajudiciais, mormente no ramo de veículos recuperados, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor- CDC, em veículos arrematado em certame privado.

Oportuno citar a diferenciação da natureza dos certames, em dois principais grupos, o primeiro, relativos a bens móveis e imóveis expropriados por meio de decisão judicial, que são levados à hasta pública, para arrematação. Os valores obtidos são direcionados para a satisfação do crédito perseguido em juízo e o pagamento de despesas com leiloeiros.

Vale notar que o valor arrecadado deriva de ordem judicial, sem pertencer a qualquer cadeia produtiva, e sim do poder coercitivo do Estado em expropriar bens de um devedor, para garantir o crédito da parte credora.

Os leilões mais comuns são os realizados pela Justiça do Trabalho e Justiça Estadual, sendo ainda observados leilões de bens apreendidos pela Receita Federal e de veículos apreendidos pelo departamento de trânsito, além de patrimônio público desafetado de sua função.

A segunda modalidade diz respeito aos chamados leilões extrajudiciais, que, na maioria das vezes, são organizados por empresas de diversos ramos, que buscam uma venda rápida e desburocratizada de seu ativo, sendo o certame conduzido por leiloeiros devidamente inscritos nas Juntas Comerciais do Estado.

A exemplo, financeiras direcionam à hasta pública bens móveis e imóveis recuperados de contratos de financiamento inadimplidos, ou mesmo parte de seu ativo que não possui uso prático, como carros de frota, materiais de escritório usados, maquinário, entre outros. Em tais ocasiões, são denominados, na hasta, como comitentes vendedores.

Ocorre que tal prática, por vezes, servem única e exclusivamente para burlar a lei, fazendo com que o comitente vendedor não seja responsabilizado nos termos do Código de Defesa do Consumidor, por acreditar que não existe relação entre fornecedor e consumidor.

Tal prática nos faz entender que, em caso de venda de produtos que fazem parte integrante de seu objeto social, enquadra-se perfeitamente na definição do artigo 3º do Codex Consumerista, que expressa:

 

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

 

Este é o mesmo entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que expressa tal entendimento em seus julgados:

 

“Ementa: Apelação – Compra e venda de veículo automotor – Negócio realizado em leilão promovido por seguradora – Vício oculto – Ação indenizatória -Sentença pronunciando a decadência – Irresígnação procedente – Relação se submetendo à disciplina do Código de Defesa do Consumidor e não à do Código Civil – Atividade em questão, de venda de veículos sinistrados, indispensável à consecução do objetivo social da seguradora e realizada em caráter empresarial, desse modo a enquadrando na definição de fornecedor (CDC, art. 32), pouco importando não se cuidar da atividade principal da empresa – Decadência não verificada, pois a reclamação à fornecedora se deu dentro do prazo do art. 26, II e §§ 2^ e 32, do CDC, sem a obtenção de resposta – Vício em questão consistindo na discrepância do número do motor, grafado na peça, para com o assentado no cadastro do órgão de trânsito, por falha da própria montadora – Defeito oculto em causa que obviamente não se insere na cláusula da compra e venda que alertava estar o adquirente comprando o automóvel “no estado em que se encontrava” – Cláusula que, obviamente, apenas se refere aos vícios especificados no edital,  aos aparentes e, se tanto, aos diretamente relacionados aos sinistros em que se envolvera o veículo – Direito do consumidor adquirente ao desfazimento do negócio, com a restituição do que pagou, além de perdas e danos, nos termos do art. 18, § l9, II, do CDC -Perdas e danos, no entanto, não demonstradas, até porque o automóvel, diversamente do alegado, tinha condições de circular e efetivamente circulou – Procedência parcial da demanda – Sentença parcialmente reformada para isso pronunciar. Apelação a que se dá parcial provimento.”

(…)

“pois, muito embora a compra e venda de veículos não represente a atividade principal desempenhada pela seguradora apelada, trata-se de atividade indispensável à consecução de seu objetivo social, em razão da necessidade de se desfazer de veículos recuperados de sinistros.”

(9155194-30.2006.8.26.0000 Apelação, Relator(a): Ricardo Pessoa de Mello Belli Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 29/06/2011, Data de registro: 04/07/2011, Outros números: 992060478763)

O entendimento de ser cabível o Código de Defesa do Consumidor em relação de leilões extrajudiciais é pacífica, inclusive, pelos próprios leiloeiros, conforme publicação no site leiloeirosdobrasil.com.br, em 21 de fevereiro de 2013.

 

“O CDC – Código de Defesa do Consumidor – Pode ser aplicado no leilão oficial? Sim, o CDC é uma Lei Federal cujo objetivo é disciplinar a relação de consumo entre comprador e vendedor e o arrematante é um comprador.”

(http://www.leiloeirosdobrasil.com.br/faq.asp em 21/02/2013)

No mais, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento de caso análogo, entendeu pela aplicação do Código de Defesa Do Consumidor, senão vejamos:

 

“Assim, se por conveniência a IBM, por intermédio de Rodrigo, decidiu fazer vendas diretas ao consumidor, por esse método pouco usual, deve cercar-se dos cuidados necessários para que todo o procedimento atenda aos mandamentos legais, em especial aos do Código de Defesa do Consumidor”

(0022574-30.2004.8.26.0114 Apelação, Relator(a): Romeu Ricupero, Comarca: Campinas, Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 25/11/2010, Data de registro: 09/12/2010, Outros números: 990.10.419735-0)

Em análise ao julgado acima, se por conveniência a IBM, por intermédio de Rodrigo (leiloeiro), decidiu fazer vendas diretas ao consumidor, por esse método pouco usual, deve cercar-se dos cuidados necessários para que todo o procedimento atenda aos mandamentos legais, em especial aos do Código de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, é possível lembrar o ensinamento de Humberto Theodor Junior:

 

“(…) O Código que entre nós se implantou é, como seu próprio nome indica, um Código de Defesa do Consumidor. O que nele, realmente, se tem de novo, é a técnica de proteger a partes vulnerável nos negócios de massa. Os princípios e os regulamentos normativos que comandam os contratos entre fornecedores e consumidores continuam sendo aqueles ficados pelo direito privado nas leis civis e comerciais, embora flexibilizados pelas diretrizes da nova ordem engendrada pela necessidade de proteger a parte jurídica e economicamente fraca”.

(Da Incorporação Imobiliária, Melhim Namen Chalub, prefácio da obra, s/n, pg. 2ª edição, Editora Renovar).

 

Ocorre que a realização de leilão, nos moldes atuais, não passa de uma forma disfarçada de comércio, haja vista, inclusive, em existir o termo “condicional” em lances ofertados no certame. O dito lance condicional corresponde a um valor ofertado pelo arrematante, dependente de aceite do comitente vendedor, ou seja, caso o valor atenda o interesse do mesmo, o bem é liberado para venda.

O conceito básico de um leilão é o fato de o maior lance adquirir o bem, respeitado o lance mínimo fixado e não o vendedor deliberar sobre o valor, se o aceita ou não a proposta.

Neste caso, resta evidenciada uma típica ação comercial, por meio de tradição, ou seja, oferta de bem móvel ou imóvel, mediante pagamento de preço ajustado, devendo assim, ao nosso ver, a transação ser protegida pelo código de defesa do consumidor.

Autor

Thiago Nogueira de Lima

Sócio fundador, advogado Consultivo e Contencioso atuante há mais de 15 anos nas áreas de Direito Civil e Empresarial.

Atua também como professor de graduação e cursos preparatórios para concursos há mais de 10 anos nas matérias de Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito Empresarial e Consumidor.

Graduado com especialização em Direito Processual Civil.

Data
11 mar 2021
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Artigos
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